Monday, January 20, 2025

despachada: Kevin Can F**k Himself


O projecto é original. O conceito é óptimo. E foi tão bem concretizado. Faz-me acreditar na Humanidade. Faz calar o macaquinho que tenho na cabeça, que diz que tudo já foi feito e não há nada original. E depois sei da origem da história. É baseado na vida real, mais ou menos. O macaquinho riu-se. Não deixei de gostar da série.

Não sei os detalhes todos. Não vou entrar muito na parte real. Consta que houve uma série, daquelas básicas de riso de lata, cheia de clichês e coisas básicas. Pai de família, working man, que só quer divertir-se com os amigos, e que tem uma esposa chata, yadda yadda. Já não há paciência para este formato. É pena que continue. Agora, nos bastidores parece que a actriz que faz de esposa não achava piada ao desenvolvimento do seu personagem «chapa 5». Ou não se dava com o elenco maioritariamente masculino, e houve arrufos. A estrela da série ganhou a batalha. A actriz foi despedida, ou não lhe renovaram o contrato, e a personagem simplesmente deixou de aparecer, duma temporada para a outra. Sem justificação sequer na série.

É o clássico exemplo de Hollywood. Tudo bonito em frente às câmaras. Tudo muito podre atrás delas.

Essa é a parte fixe de Kevin Can F**k Himself. Tem esses dois lados. Uma parte da série é colorida e filmada como uma sitcom parva, com riso em lata e afins. Mas sempre que a esposa afasta-se do idiota do marido, tudo fica escuro, real, sem risos e situações ridículas. As transições eram deliciosas. Ele, um completo idiota, mas com toda a gente à volta dele a compactuar com as ideias parvas. Mas quando saía de cena, ou quando os personagens começam a verdadeiramente perceber o quão idiota ele é, ou quando eram traídos ou expulsos do círculo interno, por este ou por aquele motivo, tudo mudava. Eles passavam de personagens secundários cómicos para seres com produndidade, com opiniões, desejos, ambições ou simplesmente com necessidade de serem respeitados. E neste lado da história víamos as verdadeiras consequências de ter de lidar com um ser egocêntrico e tóxico.

O exemplo mais simples é o Alf. Não é referência para toda a gente. É para uma geração específica e, mesmo dentro dessa, nem todos seguiram a série. Eu adorava o Alf, em miúdo. Era um boneco peludo e fofinho, que mandava todas as piadas. Depois revi a série em adulto. O Alf era um alienígena, preso na Terra quando a sua nave despenhou-se. Mas era um personagem execrável. Infernizava a vida da família que o adoptou. E não fez nunca nada para merecer isso. Nunca pedia desculpa. Fazia porcaria, era apanhado e, no episódio seguinte, fazia porcaria outra vez. Não havia qualquer justificação para não o expulsaram de casa, ou simplesmente entregá-lo ao governo. Não havia razão alguma para gostarem dele ou quererem-no na família. Numa situação real, a família tinha-o morto, facilmente, num momento de raiva. E não poderiam ser incriminados de nada. Era só fazê-lo desaparecer, já que ninguém sabia que ele existia sequer.

Kevin Can F**k Himself mostra essa parte mais real, ao mesmo tempo que mostra o riso em lata. E fê-lo de forma genial. A única coisa que tenho a apontar é que o final é apressado. Os criadores tinham o enredo todo idealizado, do princípio ao fim. Só que contariam com mais uma temporada, algo que o estúdio decidiu cancelar. Ou outra coisa aconteceu. Não sei ao certo. Felizmente conseguiram terminar a história que queriam contar, mas tiveram de apressar os últimos episódios. É especialmente notório no penúltimo, onde todos os enredos, de repente, resolveram-se quase na totalidade.

Mesmo assim. Gostei de ver.

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