Wednesday, February 15, 2023

despachada: Paper Girls


A carreira de Brian K. Vaughan na televisão não faz qualquer sentido.

O homem tem três facetas, que reconheço-lhe. Duas delas na TV. A outra, onde é um consagrado e escreveu algumas das melhores histórias das últimas décadas, é a banda desenhada. Neste meio, o homem é rei e senhor. Criou personagens novos dentro de universos estabelecidos (nos tempos recentes é mais difícil do que parece) e cada novo livro que cria é imediatamente seguido por uma legião de fãs. Na televisão, por um lado também tem algum sucesso, embora não tenha muitos créditos associados ao seu nome. Desenvolveu o Under the Dome que, não tendo sido brilhante, teve ali algum mediatismo no início. Escreveu ainda alguns episódios para um pequeno fenómeno televisivo chamado Lost. Alguém conhece?

Depois há a faceta que não percebo. Acho mesmo que nunca perceberei, por muito que viva 1000 anos. A de criador que fica a ver outras pessoas destruírem completamente as suas histórias. Porquê?! Já são três exemplos de séries criadas com base nas histórias de Vaughan, que são desenvolvidas e escritas por outras pessoas, com resultados desastrosos! A primeira foi Runaways, baseada numa BD da Marvel, mas que não foi desenvolvida pela máquina MCU. Foi feito por um qualquer canal de TV, que adquiriu os direitos. É possível que  ainda estivesse a dar, não fosse a máquina MCU ter acabado com projectos paralelos. Eu comecei a ver Runaways. Eu adorei a BD. Lá está, personagens novos num universo estabelecido. Foi refrescante. Foi excitante. Runaways tem tudo o que se quer. Na BD. A série de TV é a confusão estereotipada das novelas norte-americanas. Tudo ao mesmo tempo. Tudo a mudar de episódio para episódio. Vilões e heróis a mudarem de papéis ao sabor do vento. Uma salgalhada. Desisti de ver porque tinha muito pouco a ver com o material de origem. Depois veio Y: The Last Man, que teve dificuldades por causa do timing da coisa, mas que sofreu também do mesmo problema. Alterações desnecessárias à história original. Foi cancelada. Seguiu-se pouco depois este Paper Girls, exactamente com o mesmo resultado. Foi cancelada a meio da primeira temporada.

Porquê?

Não o cancelamento, atenção. Percebo perfeitamente o cancelamento de qualquer uma destas séries. São péssimas. A minha pergunta é: porque mudam tanto a história? Ajuda em quê? O que faz, logo à cabeça, é alienar os fãs. Uma série, ao basear-se num material original conhecido e respeitado, tem logo à cabeça um grupo de fãs absolutos. Se mudas a história perdes quem estava à espera anos para ver. Os que iriam publicitar e defender a série de todos os que estivessem numa de armar brigas. Não só os perdes, como ganhas logo um grupo de haters. E estes vão afugentar quem até poderia gostar da nova história. Porque é isso que estão a criar. Uma nova história com um nome conhecido. É enganador. Para quê? Para quê criar uma nova história que muitos vão logo odiar, que não terá garantias nenhumas de que alguém novo possa vir a gostar?

Eu percebo a questão de ter de adaptar um género a outro. A sério que percebo. Há coisas que funcionam na BD e não fazem qualquer sentido em série ou filme. O oposto é igual. Tudo tem a sua forma no local certo. A sério que percebo tudo isso. E sim, como disse no post do Last Man, são personagens femininas que precisam de ser trabalhadas (entenda-se: escritas por mulheres). O mesmo passa-se aqui. As miúdas adolescentes em Paper Girls (a BD) são demasiado parecidas a qualquer outro personagem adolescente escrito por um homem branco de 40 anos. Logo, precisavam de ser melhoradas. Precisavam de ter mais profundidade. E acedo ainda que as histórias de Vaughan na BD são demasiado esquisitas para mainstream televisivo. Posto isto...

Porque é que mudaram tuuuuuuuuuuuuudo do início da história original? Porque é que andaram mais focados no sonho de nos vermos a nós próprios no futuro e vice versa, e não se preocuparam de todo com o desenrolar original da história. Isto é uma história de ficção científica misturado com nostalgia, com o bónus de que não tem os mesmos rapazes branquelas como principais! Não é uma sessão de psiquiatria para resolver os traumas de infância duma equipa de escritores de televisão!! Sim, uma delas conhecer-se no futuro e ficar desiludida é importante para a história. E todas podiam e iam passar por isso. Mas tem de ser nos primeiros episódios?! Tem de ser da mesma forma? Não se pode estender por três ou quatro temporadas?!?! F0d@-s€, mas isto é assim tão difícil de perceber?!

Meus caros, isto não é complicado. Querem fazer uma série de sucesso? Um passo que ajuda é adaptar algo bem sucedido por si só. Mais uma vez, é garantir público logo à cabeça. Passo seguinte: não f0d€r o conteúdo original! A BD é um storyboard já feito para uma série!! Alguém fez o trabalho por vocês! É só replicar o 2D em 3D. Passar do papel para a tela. É o mais fácil que pode haver. E caso achem que estou a ser simplista, basta olhar para um caso de sucesso recente.

Last of Us está ter bastante sucesso. É uma série baseada num videojogo! Nem sequer há muita história. É um shoot 'em up de zombies. O jogo é andar aos tiros. Só. Logo, foi preciso desenvolver história para a série. Até agora mal vimos zombies na série, em boa verdade. Tem sido só conversa. Só drama.

E...
MESMO ASSIM...
OS CRIADORES DA SÉRIE METERAM CENAS INTEIRAS DO JOGO NA SÉRIE! FALAS INTEIRAS! CENAS IGUAIS! FALA POR FALA, PLANO POR PLANO!!

Sim, estou muito chateado com isto. Porque é por demais absurdo. Uma série de TV, baseada num jogo, tem mais do conteúdo original do que uma série baseada numa banda desenhada. Isto faz algum sentido? A sério. Por favor, alguém que me explique como é que isto é possível. Tu, Vaughan, por favor explica-me como é que deixas isto acontecer? É só o dinheiro? Não estás para chatear-te? A sério que preferes deixar as tuas histórias nas mãos de gente idiota?

Estou maluco com isto.

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