Tuesday, January 17, 2023

despachada: Quantum Leap


Esta série tem várias particularidades. Comecemos pelo início. Tem um genérico gigantesco. É mesmo um absurdo. Como era sempre o caso para as séries deste período, bem sei. Se dúvidas houvesse sobre quando foi feita, o gerérico dissipa-as. Ou seja, até é uma coisa normal, dado o tempo em que foi feita. Destaco este ponto porque, tendo em conta que só têm dois actores no elenco principal, qual era a necessidade de tanta musiqueta e montagem apenas para anunciar apenas dois actores? Vamos para a acção mais rapidamente, caramba!

Depois, Sam Beckett (esse nome clássico) viaja atrás no tempo, mas só entre as décadas de 1940 e 1980. Não mais que isso. Faz parte do enredo. Supostamente é uma limitação da «ciência» descoberta pelo personagem, mas é apenas porque não há dinheiro para indumentária muito antiga em termos de produção dos episódios, como é óbvio. Há muitos mais exemplos de ficção científica em que dizem que é melhor nem viajar no tempo em que existimos, por problemas com paradoxos ou algo assim. Há uma base teórica científica (ênfase no «teórico», atenção). Eu é que não a sei.

E se até aqui eram questões de somenos, depois temos problemas de white savior e violação, mais a questão de que as pessoas cujas vidas ele ocupa não estão presentes em momentos de grandes alterações. Como será ter uma branca, adormecer solteiro, só para acordar casado, por exemplo? Explanando um pouco melhor, Sam ocupa o corpo doutras pessoas no passado. Há uma troca de mentes, por assim dizer. Sam ocupa o corpo de homens e mulheres, de idades e raças várias. Essas pessoas, por sua vez, ocupam o seu corpo no «futuro», passando o tempo numa sala de espera e recebendo pouca informação, enquanto um desconhecido resolve-lhes a vida. Por vezes são trocas curtas, mas nem sempre é assim. Sam vive as suas vidas por inteiro, durante este período. Faz os seus trabalhos, canta os seus concertos, participa nos seus jogos grandes e interage com amigos, família ou parceiros sexuais. Porque sim, Sam tem relações com algumas pessoas. Mulheres sempre, claro. As mais atraentes. Mesmo quando estava no corpo duma mulher casada, nem por isso havia beijinhos com o marido. Durante dias. Mas esqueçamos os preconceitos da década de 80, senão nunca mais daqui saímos. E, verdade seja dita, Quantum Leap tentou ser progressiva, no que lhes foi permitido. Só que a verdade é que o homem era um white savior que violava moças, fingindo ser outra pessoa. Isto chegou mesmo ao ponto dele ser pai duma rapariga, que passou a vida sem saber quem era o verdadeiro pai, para todos os efeitos. Essa parte, e outras, foram mega cringe.

Por fim, o final. Que não foi final porque a série foi cancelada sem grande pré-aviso. A equipa de produção terá ficado com azia e meteu um cartão final a lixar tudo. O personagem queria voltar a casa, ao seu tempo. Essa sempre foi a premissa base da série. Pelo meio fazia de anjo da guarda e rectificava problemas, de modo a melhorar a vida de muita gente. Esta última parte fez sempre. A principal não conseguiu. O cartão disse apenas «esqueçam, que ele nunca mais voltou a casa (porque os executivos são umas bestas e não percebem nada desta m€rd@!)». A segunda parte não estava no cartão, claro, mas subentende-se.

Posto tudo isto, Quantum Leap foi uma óptima companhia nos últimos tempos. Gostei da série quando a vi em miúdo. E não tenho problema algum em dizer que marcou o jovem moço que fui, assim como o adulto que vim a ser. Sim, aos olhos de hoje há muitos pontos problemáticos. Mas na altura procuraram quebrar algumas barreiras e abordar assuntos problemáticos. Sexismo, racismo, discriminação generalizada. Tudo resolvido de forma muito bonita, em quarenta e tal minutos, por uma pessoa, quase como se nunca tivessem existido problemas - à boa maneira americana da época. Sem dúvida. Fizeram muito e mudaram a sociedade? Fizeram algo. Fizeram o possível. E a mim abriram um pouco os olhos para alguns assuntos, na altura.

É uma série que marcou-me. A verdade é essa. E gostei de a rever. Aconselho malta nova ver? Claro que não. É super datado e não faz sentido. Já a nova versão (fizeram um reboot agora em 2022)... De certeza que não será boa, mas tenho muita curiosidade de ver como resolveram a questão moral de ocupar a vida doutras pessoas e fazer determinadas coisas. Muito curioso, mesmo.

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